Gonçalo M. Tavares, escritor
É de noite e a ponte está deserta. Uma vez ou outra veêm-se as luzes de um carro a passarem rapidamente. Mas o movimento é raro. A mulher enrolada sobre si

Um bebé de meses, semanas, chora, deitado num carrinho. Dentro do carrinho, por cima dos lençois, afastada do bebé, uma garrafa com álcool; quase vazia
O homem por vezes pára e dirige-se ao berço para pegar na garrafa, O bebé suspende o choro, como que a aguardar qualquer outro gesto na sua direcção, mas esse gesto nao vem e o bebé retoma o ritmo, cada vez menos forte. Depois de beber, o homem coloca a garrafa de novo por cima dos cobertores, no berço, com bastante cuidado. É nesta altura que é visível o afecto pela criança. Não a quer magoar. Quer protegê-la. Isso é evidente. É o pai e ama aquela criança.
A mulher levanta-se e pergunta pelo outro sapato. Na mão direita tem um. Agora quer o outro.

O homem continua a dançar, lento, à volta de si próprio, e nada ouve ou, pelo menos, não responde. A mulher desiste, larga o sapato, senta-se: roubaram-me o sapato, murmura.
Passa um outro carro, mas ninguém liga. A ponte está deserta. Só eles por ali.
Entretanto, já não vem nenhum choro do berço e a mulher encostada ao parapeito da ponte vê passar um carro e baixa de novo os olhos na direcção dos pés. Os dedos das mãos brincam com os intervalos entre os dedos dos pés.
Entretanto, o homem, com a garrafa na mão esquerda, tenta um equilíbrio perigoso em cima do parapeito que separa o passeio lateral da ponte e o rio, lá em baixo. - Amanhã - diz ele, ao mesmo tempo que tenta o equilíbrio em posições cada vez mais instáveis - amanhã, as coisas vão melhorar.
Entretanto, o homem, com a garrafa na mão esquerda, tenta um equilíbrio perigoso em cima do parapeito que separa o passeio lateral da ponte e o rio, lá em baixo. - Amanhã - diz ele, ao mesmo tempo que tenta o equilíbrio em posições cada vez mais instáveis - amanhã, as coisas vão melhorar.
1 comentário:
amanhã as coisas vão melhorar... eu tb creio nisso...
este texto valeu a visita.
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