'O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo'
Alberto Caeiro

Sentidos

quarta-feira, 30 de setembro de 2009



UMA COMUNICAÇÃO INFELIZ E DESPROPOSITADA

O PR e o mons parturiens

Antunes Ferreira
A comunicação
ao País do Presidente da República destinou-se aparentemente a esclarecer dúvidas que quiçá houvesse sobre o caso das alegadas escutas a Belém. Não sei se a expectativa entre os cidadãos era grande e, sendo assim, se aguardavam, preocupados, ou interessados, as palavras de Cavaco Silva. Eu, não. E penso que tinha as minhas razões.

Ouvindo o Chefe do Estado, não me saiu da cabeça a parábola do mons parturiens. A montanha pariu um rato. Se é que se tratava de uma montanha. Finalmente, não foi nem um montículo. Isto porque, se na realidade se tratava de um esclarecimento – não esclareceu nada. A mim, pelo menos, não. Admito que a outros isso também tenha acontecido. Corrijo: a muitos outros. Volto a corrigir: a muitíssimos outros, passe o pleonasmo. A quase todos os destinatários, enfim.



Fiquei a saber que o Presidente faz interpretações pessoais de factos, o que me parece óbvio: quem o não faz? Mas, tomei conhecimento também de que as transmitiu desta feita aos Portugueses «a título excepcional, porque as circunstâncias o exigem». Muito bem. A intenção era boa? Foi, porém, uma chachada. Ocorre-me ainda o ditado que diz que de boas intenções está o Inferno cheio. E foi, ainda, a demonstração do imbróglio que vai por Belém. Quem manda em quem? Quem manda fazer o quê a quem? Quem faz coisas à revelia do Patrão? Diz-se que a Esquerda é hipócrita. Mas também se afirma que a Direita é burra. Quid juris?

Para que as coisas e as interpretações sejam analisadas, recordo aqui algumas das declarações do PR. «Durante o mês de Agosto, na minha casa no Algarve, quando dedicava boa parte do meu tempo à análise dos diplomas que tinha levado comigo para efeitos de promulgação, fui surpreendido com declarações de destacadas personalidades do partido do Governo exigindo ao Presidente da República que interrompesse as férias e viesse falar sobre a participação de membros da sua casa civil na elaboração do programa do PSD (o que, de acordo com a informação que me foi prestada, era mentira)».

«A leitura pessoal que fiz dessas declarações foi a seguinte (normalmente não revelo a leitura pessoal que faço de declarações de políticos, mas, nas presentes circunstâncias, sou forçado a abrir uma excepção)».
«Pretendia-se, quanto a mim, alcançar dois objectivos com aquelas declarações: primeiro - puxar o Presidente para a luta político-partidária, encostando-o ao PSD, apesar de todos saberem que eu, pela minha maneira de ser, sou particularmente rigoroso na isenção em relação a todas as forças partidárias. Segundo: desviar as atenções do debate eleitoral das questões que realmente preocupavam os cidadãos».
E,
mais adiante, a propósito das famigeradas escutas relatou o desenvolvimento do assunto e afirmou. «Mas o e-mail publicado deixava a dúvida na opinião pública sobre se teria sido violada uma regra básica que vigora na Presidência da República: ninguém está autorizado a falar em nome do Presidente da República, a não ser os seus chefes da Casa Civil e da Casa Militar. E embora me tenha sido garantido que tal não aconteceu, eu não podia deixar que a dúvida permanecesse.
Foi por isso, e só por isso, que procedi a alterações na minha Casa Civil».
A corrente parte sempre pelo elo mais fraco; é dos livros.

São uns malandros alguns membros proeminentes do Partido do Governo, ou seja do PS. Tentaram, assim, encostar o inquilino de Belém ao PSD. Mas, algumas perguntas: não é Cavaco Silva a mesma pessoa que foi presidente do Partido Social Democrata? Não foi nessa qualidade que chegou a primeiro-ministro de um Governo laranja? Era, pois, preciso tentar colá-lo aos sociais-democratas?

E Mário Soares? Não fora fundador e secretário-geral do Partido Socialista? E Jorge Sampaio não tinha sido também a figura de proa do PS? E Ramalho Eanes não era elemento destacado dos militares que na altura eram força e poder, na sequência do MFA? Regressando no tempo. Américo Tomás não fora da União Nacional, depois Acção Nacional Popular, e convicto seguidor de Oliveira Salazar? E Carmona?

Porquê, então, a necessidade de «personalidades destacadas do Partido do Governo» tentarem essa colagem, aliás natural, ao PSD? E a interpretação pessoal do mais alto mandatário da Nação disse tudo sobre o maquiavélico plano urdido entre o Largo do Rato e São Bento? E Fernando Lima? Foi ou não demitido de Assessor para a Comunicação Social (desde há 20 anos com Cavaco…)?

As interrogações são demasiadas – por isso que não me tenha sentido (e não me sinta) esclarecido. Bem pelo contrário. Um Presidente da República não pode enveredar por caminhos de intoxicação. Que País quer ele representar? E que Republica? Das bananas ou dos bananas? A comunicação ao País foi equívoca e redundante. Nos termos usados foi ineficaz, infeliz e despropositada. E, in fine, o mais prejudicado com a arenga não foi o PS; foi o seu autor, Aníbal Cavaco Silva e a Presidência da República. Virou-se o feitiço contra o feiticeiro.

O tempo que ela durou foi enorme - para Cavaco não dizer nada; a sua oportunidade, incrível, e a forma de que se revestiu foi portanto decepcionante. E os jornalistas representantes dos respectivos Órgãos de Comunicação teriam eles ficado esclarecidos? É que nem perguntas foram autorizadas. Uma vez mais há que referir o procedimento de um político de segunda ordem: Barak Obama, o Presidente dos EUA. Valha-nos a Corte Celestial. Toda. Incluindo os suplentes.

1 comentário:

Ângelo disse...

Que fantástico, acabo de ter um panorama da política portuguesa. Excelente visão crítica. Adorei.

Voltei a postar no meu blog, quando tiver tempo, dá uma olhadela.

Abraços

Copyright © - EspelhoSentido - is proudly powered by Blogger