'O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo'
Alberto Caeiro

Sentidos

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O peregrino, o Sultão e o Grão de Areia


Sua vida parecia sem sentido.
Tentava buscar as respostas e não conseguia entender os desígnios que a vida lhe propusera.
Estudava as artes, a música, as ciências, religiões, mas sentia-se muito longe do entendimento que julgava necessário.

Decidiu que deveria correr o mundo em sua busca espiritual.
Deixou tudo para trás.

Pela primeira vez em sua vida, sentia que estava próximo, ou pelo menos no caminho certo. No caminho mais correto para saciar sua sede sagaz de conhecimento sobre as questões que trariam paz ao seu espírito.

Descobrir sobre a felicidade, e sua razão de ser, eram seus principais objetivos.

Na Espanha, cerca de dois anos após o início de suas viagens, conheceu um empresário em um cafeteria pela manhã.
Muito eloqüente, criou-se uma empatia entre os dois.
Eis que Caio dirige-lhe a pergunta:

- Meu caro amigo, se permite-me perguntar, és uma pessoa feliz?

- Veja humilde cavalheiro. Pra ser-lhe sincero, nunca parei para refletir sobre isso, porém, sua pergunta leva-me a analisar alguns aspectos de minha vida.
- Tenho uma bela esposa, uma boa companheira e amiga. Também uma maravilhosa mãe para meu casal de filhos.
- Tenho uma grande empresa, cujos negócios ocupam quase todo o meu tempo. De fato não tenho problemas financeiros, possuo tudo que possa proporcionar conforto para mim e para minha família.
- Meus filhos admiram-me e seguem meus passos, trabalham comigo.
- Gozo de uma saúde perfeita, e creio que não há mais nada que a vida possa me oferecer, assim, posso concluir que SIM. Eu sou uma pessoa feliz.

Nessa mesma noite, Caio não conseguiu dormir. O materialismo não podia ser a resposta que procurava. A vida seria parcial demais se assim fosse. Ademais conhecia pessoas que pareciam de fato muito mais felizes do que aquele homem com quem conversara. Precisava de alguns contrapontos.

Resolveu fazer algo que sempre sonhou: percorrer o famoso Caminho de Santiago.

Nesse lugar místico e maravilhoso, no meio de sua caminhada conheceu um monje, ex Bispo de uma Ordem Católica muito conservadora.

Logo pôs-se a fazer a mesma pergunta:

Meu jovem Senhor poderia responder-me se és feliz?

- Meu amigo, seu questionamento direto, não é tão simples de ser respondido, mas tentarei:
- Creio que eu nem deveria estar nesse mundo. Isso motivou minha busca. Sinto-me como uma alma livre presa a um mundo completamente material. Penso que nada aqui pode trazer-me felicidade plena.
- Deixei minha ordem e minha posição na igreja por discordar de alguns princípios básicos. Para mim todo esse mundo é uma falha, e só pude concluir que é a vida além daqui é onde encontrarei minhas respostas. Só não acabo eu mesmo com meu corpo material por não ter ainda plena certeza de meus questionamentos.

Deixou o homem seguir seu caminho sozinho, e ficou a pensar por dias e dias sem sair do lugar, em profunda meditação.

Os conceitos do monge pareciam ser verdade em parte, mas não podia conceber que a vida aqui e agora não tem nenhum propósito.
Tinha consigo a idéia fixa de que TUDO tem uma razão de ser, TUDO.

A despeito de suas desilusões e de seu cansaço físico e mental, continuou a caminhar, agora, um tanto sem rumo.

Vários meses depois, iniciou uma peregrinação pelo Deserto da Arábia.
Sozinho por semanas, sem conhecer o inóspito meio em que se encontrava, seu corpo desfaleceu, e foi encontrado por transeuntes e levado para um oásis no meio do nada.
Acordou e não fazia idéia de quanto tempo ficara desacordado.

Por vários meses trabalhou em uma aldeia dentro do oásis, exercendo várias funções e interagindo com várias pessoas.
Certa vez conheceu um religioso que cuidava pessoalmente do Sultão daquelas terras. Fez-se com este, uma amizade sincera.

Após muito tempo nesse local, Caio explicou sua busca para seu amigo Farah, dizendo que o que faria feliz nesse momento era poder conversar com o grande Sultão, e que este pudesse banhá-lo com um pouco de sua grande sabedoria.

E assim foi feito. Logo estaria diante de um dos homens mais poderosos do Deserto.

***

- Oh grande senhor dessas terras e desses homens, permita um humilde andarilho fazer-lhe uma simples pergunta...

O homem assentiu com um gesto.

- És feliz?

Como se a pergunta o pegasse de surpresa, começou seu discurso:

- homem, sou dono de tudo que seus olhos podem ver e de muito mais do que sua mente pode imaginar.
- Tenho ouro e jóias, em quantias que poderiam suprir alguns países durante muitos anos, que nem eu mesmo sem contar.
- Tenho as mais belas mulheres desse mundo para dar-me prazer.
- Vivo em perfeita harmonia com meus servos, com o Deserto e com os oásis que Alah concedeu-me.
- Tenho sangue dos mais nobres imperadores correndo em minhas veias.
- Todos os dias estudo minha religião com meus sacerdotes.

Então meu caro, acho que já respondi ao seu questionamento.

Siga em paz.

Agora nosso amigo encontrava-se muito mais perdido em sua vida do que quando saiu à procura de respostas.
Desiludido, programou sua viagem de volta para casa.
Farah providenciou-lhe um bom camelo e recursos para seu caminho de volta.

***


Depois de várias semanas vagando pelo deserto, deixou-se cair para admirar o crepúsculo que logo se daria.
Já não tinha esperanças de suprir sua mente intrépida e sedenta.
Deixou-se cair no chão, naquele fim de tarde perfeito.

Não percebeu que adormeceu, para ele era como se ainda estivesse sentado, apoiado em suas mãos, curvadas para trás.

- Olá Caio...é com grande felicidade que obtive a permissão de Deus para falar-lhe.

Estava louco – pensou – ou realmente estava ouvindo um grão de areia falar-lhe?

- Está sonhando nesse momento, mas estou realmente a falar contigo – disse a minúscula criatura como se ouvisse seus pensamentos.

Decidiu então pela recíproca na conversa.

- Prossiga, por favor – disse.

- Creio que seja você quem queira saber de algo não é mesmo?

- Mas como pode você poder dar-me as respostas que preciso?

- Vou ignorar esse pingo de prepotência em seu pensamento e disser assim mesmo o que tenho pra lhe dizer:

- Sim. Sou um mero grão de areia. Mas sim, sou a criatura mais perfeita e mais evoluída que pode encontrar nesse mundo.
- Sou parte integrante desse imenso deserto que perde-se perante seus olhos. Eu e meus irmãos, que números em suas ciências faltariam pra enumerar-nos. Mas sem mim, tudo isso jamais poderia ser completo. Todos os dias exerço minha função, apenas estando aqui, imóvel. Quente durante o dia, e gélido durante a noite.
Estou aqui para ser parte de um todo, assim como você e tudo o que mais há nesse mundo, simples assim. Sou matéria criada pela inteligência suprema de todo esse universo, e meu espírito perpetua na imensidão do espaço e do tempo. Tu estás cumprindo um estágio de sua evolução. Somos feitos da mesma energia cósmica que tudo rege, e que em tudo existe.
Tu não deve procurar a felicidade plena, um dia certamente a encontrará. Terá seu tempo assim como todos...mas o caminho é tão importante quanto a chegada...viva a felicidade em cada passo, aproveite os MOMENTOS felizes da sua existência...sinto que seu caminho parece curto, pois as respostas só existem para aqueles que tem dúvidas e isso você tem e sempre terá.
Um dia serás anjo...
Acorde agora, e siga em paz...

O homem acordou sorrindo, subiu em seu camelo, com todo respeito que conhecia, e seguiu pela noite fria do deserto.

Hugo Roberto Bher

3 comentários:

J Araújo disse...

Um belo texto para reflexão.

Parabéns pela escolha.

BJ

C. Camargo disse...

caros amigos, muitíssimo obrigado pelos comentários...
sabem que comments são o combustível de qualquer escritos de blog...

abs...

Anónimo disse...

adorei o texto continue assim. Este texto nos faz refletir o que somos e o que fazemos aqui, mas a maior reflexão mesmo concerteza é se o que fazemos é o que realmente queremos...

Valeu pelo texto, pois o mundo precisa de pessoas assim como você... ^^

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